segunda-feira, 10 de maio de 2010

Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD)

Introdução
A Coagulação Intravascular Disseminada (CIVD), também conhecida como Coagulopatia de Consumo ou Defribinação, é uma complicação causada por uma variedade de doenças clínicas graves. Na maioria dos casos, a doença que causou a CIVD domina o quadro clínico, mas em alguns casos (como em neoplasias ocultas ou envenenamento) a CIVD pode ser a primeira manifestação.

Patofisiologia
O mecanismo causal
A CIVD ou Coagulopatia de Consumo tem como mecanismo causal, independentemente da doença de base, a entrada no sangue de substâncias procoagulantes que causam ativação sistêmica do sistema de coagulação e das plaquetas. Esta ativação sistêmica leva à deposição de trombos compostos de fibrina e plaquetas. É uma doença essencialmente trombótica, embora, paradoxalmente, sua manifestação clínica em casos agudos possa ser hemorragia disseminada.

A substância pró-cogulante
Na maioria dos casos, a substância que causa ativação sistêmica da coagulação e das plaquetas é o fator tecidual, uma lipoproteína que normalmente não é exposta ao sangue. Na CIVD, esta lipoproteína (fator tecidual) ganha acesso ao sangue por lesão tecidual, síntese por células neoplásicas, ou expressão aumentada nas membranas de monócitos e células endoteliais, ativada por mediadores de inflamação. Existem outras substâncias procoagulantes, como a tripsina na pancreatite, proteínas exógenas no envenenamento, e mucina em algumas neoplasias.

O esgotamento dos fatores de coagulação
Na CIVD aguda e descompensada, os fatores de coagulação são consumidos numa taxa que supera a capacidade do fígado de síntezá-las, e as plaquetas são consumidas numa taxa que supera a capacidade dos megacariócitos medulares de liberá-las. Como resultado, temos trombocitopenia, elevação do tempo de pró-trombina e elevação do tempo de tromboplastina parcial ativada, aumentando o risco de sangramentos.

Outros fatores contribuem para o risco de sangramento
1: Como há formação de trombos com fibrina, um processo compensatório de fibrinólise é ativado, onde ativadores de plasminogênio geram plasmina para digerir a fibrina e fibrinogênio em produtos de degradação da fibrina (PDFs). Os PDFs são potentes anticoagulantes circulantes que contribuem para as manifestações hemorrágicas.
2: A deposição intravascular de fibrina causa fragmentação de eritrócitos e leva ao aparecimento de esquizócitos nos esfregaços periféricos. Entretanto, anemia hemolítica franca não é uma manifestação comum da CIVD.

Trombose microvascular
A trombose microvascular que ocorre na CIVD pela deposição de fibrina e plaquetas pode comprometer o fluxo sangüíneo para os órgãos, levando a falência múltipla, especialmente quando o paciente tem comorbidades hemodinâmicas ou metabólicas.

Etiologia - Principais Causas de CIVD:

Infecções*Sepse bacteriana por gram-negativos
Outras bactérias, fungos, vírus, malária, febre maculosa

Complicações Obstétricas**
Embolia por líquido amniótico
Feto morto retido
Separação prematura da placenta do útero (abruptio placentae)
Aborto séptico

Neoplasias Malignas
Carcinoma pancreático
Adenocarcinomas
Leucemia promielocítica aguda
Outras neoplasias

Falência hepática***

Pancreatite aguda

Envenenamento****

Reações transfusionais

Síndrome da angústia respiratória

Trauma e choque*****
Lesão cerebral
Lesão por esmagamento
Queimaduras
Hipotermia/hipertermia
Embolia gordurosa
Hipóxia, isquemia
Cirurgia
Doença Vascular
Aneurisma de aorta
Tumores vasculares
Hemangioma gigante

*Causa mais comum de CIVD
**A placenta e conteúdo uterino são ricos em fator tecidual e outros procoagulantes, e, exceto em condições patológicas, não entram em contato com a circulação materna.
***Não se sabe ao certo se a falência hepática leva a CIVD ou se ela simplesmente exacerba a coagulação intravascular por prejudicar a limpeza de fatores de coagulação ativados, produtos da degradação da fibrina e plasmina.
****Venenos de algumas cobras contém substâncias que afetam a coagulação e a permeabilidade do endotélio. Picadas de cascavéis e outras víboras podem induzir CIVD grave pela introdução de procoagulantes exógenos e pela liberação de fator tecidual pela necrose tecidual.
*****A chance de ocorrer CIVD depende da extensão do trauma e depende do órgão envolvido; por exemplo, o cérebro é rico em fator tecidual, assim, uma lesão cerebral traumática pode precipitar CIVD.

Manifestações Clínicas
Dependem da natureza, intensidade e duração do estímulo procoagulante. A manifestação mais comum é sangramento, especialmente em casos agudos descompensados. O sangramento pode ser local, limitado a sítios de intervenção ou batidas (equimoses focais), mas tende a ser generalizado em casos graves, incluindo equimoses por todo o corpo e sangramento nas mucosas. A coexistência de doença hepática piora a CIVD. CIVD de baixa gravidade pode ser assintomática e diagnosticada apenas por anormalidades laboratoriais. Manifestações trombóticas da CIVD ocorrem mais freqüentemente quando a doença subjacente é uma doença crônica, como neoplasias malignas. Gangrena de extremidades, necrose hemorrágica da pele e púrpura fulminante podem ocorrer na CIVD.

Diagnóstico
O diagnóstico laboratorial de CIVD aguda e severa é simples. Há alteração no tempo de pró-trombina, no tempo de tromboplastina parcial ativada (TTPA), e tempo de trombina. Há trombocitopenia, devido ao consumo de plaquetas. O aumento dos produtos de degradação da fibrina (PDFs)no sangue pode ser medido através do teste de D-dímeros ou teste de aglutinação de látex. Esquizócitos podem ser vistos na revisão do esfregaço periférico, mas este achado é pouco sensível e específico. Na CIVD crônica ou compensada, o diagnóstico é mais difícil, pois os parâmetros anteriormente citados são muito variáveis. O aumento dos PDFs é mais sensível que anormalidades do TTPA ou contagem de plaquetas, pois a síntese de fatores de coagulação consumidos e plaquetas em algumas formas crônicas de CIVD pode estar supercompensado, causando redução do tempo de pró-trombina, TTPA e trombocitose, mesmo que os níveis elevados de PDFs indiquem fibrinólise nesses casos.
O diagnóstico diferencial mais difícil de CIVD ocorre nos hepatopatas. A coagulopatia da falência hepática é freqüentemente indistingüível de CIVD, talvez porque a própria disfunção hepática avançada leva a um estado de CIVD. Na falência hepática, a síntese diminuída de fatores de coagulação, limpeza inadequada de fatores de coagulação ativados, fibrinólise secundária, e trombocitopenia pela hipertensão portal e hiperesplenismo criam uma coagulopatia praticamente impossível de ser diferenciada de CIVD. Nas microangiopatias trombóticas, incluindo a púrpura trombocitopênica trombótica e a síndrome hemolítica-urêmica, ocorre consumo de plaquetas e trombocitopenia, mas não ocorre ativação de fatores de coagulação ou fibrinólise secundária: o TP, TTPA, TT e PDFs não estão alterados. Esquizócitos e hemólise franca são muito mais proeminentes no esfregaço periférico da púrpura trombocitopênica trombótica e da síndrome hemolítica-urêmica.
Fibrinólise primária é uma entidade a parte. Normalmente refere-se à quebra normal de um trombo. Alguns pacientes com sangramento importante tem evidência de fibrinólise, incluindo níveis altos de PDFs, hipofibrinogenemia severa, mas com pequeno consumo de fatores de coagulação e contagem de plaquetas normal ou quasenormal. Estes achados são encontrados ocasionalmente, e aproximam-se dos achados de pacientes que fazem terapia fibrinolítica; podem ser encontrados em pacientes com câncer de próstata.

Tratamento
O tratamento da CIVD requer que a doença de base seja identificada e manejada. Todas as outras medidas, que incluem suporte hemodinâmico, reposição de plaquetas e fatores de coagulação e inibidores da coagulação e da fibrinólise, são medidas temporárias. Em alguns pacientes, especialmente aqueles que tem CIVD assintomática (cujo diagnóstico foi feito laboratorialmente) nenhum tratamento é necessário. Em pacientes com hemorragia ou em alto risco de hemorragia, o tratamento de escolha é a reposição de plaquetas e transfusão de plasma fresco congelado, para corrigir a trombocitopenia e a falta de fatores de coagulação, melhorando o TP e TTPA. Casos graves podem precisar de volumes grandes de plasma (ex: 6U/24h). Transfusão de crioprecipitado (um concentrado de plasma rico em fibrinogênio) pode ser útil em casos de hipofibrinogenemia. O uso de antitrombina III pode ser útil como medida de suporte, especialmente em casos de CIVD por sepse.
O uso de inibidores da coagulação e da fibrinólise na CIVD é controverso. A heparina tem um benefício teórico porque bloqueia a atividade da trombina e reduz a coagulação intravascular e a resultante fibrinólise secundária. Na prática, a heparina pode exacerbar a tendência a sangramentos na CIVD aguda. Agentes antifibrinolíticos estão contra-indicados por precipitarem trombose, mas podem ser úteis em casos extremos nos quais a hemorragia é incontrolável. A infusão simultânea de baixas doses de heparina pode reduzir o risco de trombose nesses casos.

Tratamento, em síntese:
-Identificar e eliminar a causa
-Não tratar se for assintomático, leve e auto-limitado
-Suporte hemodinâmico em casos severos
-Terapia de componentes sangüíneos: está indicada nos casos de sangramento ativo ou alto risco de sangramento (plasma fresco congelado, plaquetas; em alguns casos, considerar crioprecipitado e antitrombina III)
-Terapia farmacológica: está indicada a heparina na CIVD manifestada por trombose ou acrocianose; antifibrinolíticos estão contra-indicados, exceto em situações críticas de sangramento com falha da terapia de componentes sangüíneos.

Bibliografia utilizada: Cecil Textbook of Medicine, 22nd Edition (2004). Chapter 179: Hemorrhagic Disorders: DIC, Liver Failure, and Vitamin K Deficiency. "Disseminated Intravascular Coagulation", páginas 1078-1080.

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