domingo, 3 de maio de 2015

Linfomas não-Hodgkin

Para estudar os linfomas, é necessário dominar conceitos básicos sobre a anatomia, histologia e fisiologia do sistema linfóide. Vamos a eles.

Os linfomas são neoplasias originadas no tecido linfático, principalmente nos linfonodos. Ao contrário das leucemias, os linfomas nascem no tecido linfóide, e eventualmente infiltram a medula óssea e outros tecidos (rota inversa das leucemias linfocíticas, que tem origem na medula óssea e acabam infiltrando órgãos e tecidos secundariamente).

No tecido linfóide normal coexistem diversas células imunológicas com funcões distintas (linfócitos B, T, natural killer). Embora a maior parte do tecido linfático seja composta pelos linfonodos, encontramos tecido linfóide também no baço, amígdalas, timo, e mucosas dos tratos gastrointestinal, respiratório e urinário (nesse caso, o tecido se apresenta na forma de "ilhas" de tecido linfóide, sob a forma de nódulos ou folículos linfáticos. Esses últimos chamamos de MALT (Mucosa Associated Lymphoid Tissue). O exemplo mais importante desse tecido são as Placas de Peyer no íleo. O tecido MALT não é  necessariamente estável; ou seja, ele pode "aparecer e desaparecer" conforme estímulos antigenicos. É o caso da MALT do estômago, cuja presença está quase que invariavelmente associada a estados inflamatórios crônicos como a infecção por H. pylori.  Ok, mas por que tenho que saber os diversos sítios de tecido linfóide? Simples! Qualquer um desses locais pode ser a fonte de um linfoma!!!

O linfonodo é um quartel-general do sistema imunológico
Os linfonodos (ou gânglios linfáticos) são diminutos órgãos encapsulados, constituídos de tecido linfóide, que se distribuem ao longo do trajeto de vasos linfáticos. São constituídos de quatro camadas histológicas, de fora pra dentro: zona cortical, zona intermediária, região paracortical e camada medular. A linfa nada mais é do que o excesso de líquido que é drenado do interstício dos órgãos pelos vasos linfáticos, contendo proteínas, eventuais microorganismos e antígenos. Ao penetrar nos linfonodos satélites pelos vasos linfáticos aferentes, a linfa banha as células do sistema imune, permitindo o contato destas com antígenos presentes na linfa. O fluxo da linfa segue o sentido cortico-medular e então ganha os vasos linfáticos eferentes, pelos quais sai do linfonodo, agora rica em soldados diferenciados: linfócitos e plasmócitos sensibilizados.

A camada cortical é formada por inúmeros folículos linfáticos, onde se encontra a maior parte dos linfócitos B do organismo. Os linfócitos são produzidos pela medula óssea, de onde saem "virgens", sem contato com antígenos. Entretanto, mesmo virgens, esses linfócitos recém-formados já possuem IgM na membrana, prontos para o primeiro contato antigênico. Na verdade, desde o nascimento, já são produzidos linfócitos B específicos para uma grande variedade de antígenos!

Os linfócitos B virgens penetram nos linfonodos e se concentram nos folículos, denominados folículos "primários". Após a estimulação antigênica, os folículos linfáticos crescem pela proliferação e modificação dos linfócitos B, tornando-se folículos "secundários": eles adquirem um centro germinativo, circundado pela "zona do manto". O contato com antígeno ativa um grupo de linfócitos B, que se diferenciam e passam a ocupar a periferia do centro germinativo. Na zona do manto permanecem os linfócitos B "virgens" que não foram recrutados pelo atual estímulo antigênico. A conversão dos linfócitos B em linfócitos B diferenciados (centroblastos e depois centrócitos) ocorre através de um fenômeno denominado de hipermutação somática. Após interação com células apresentadores de antígeno (como as células dendríticas) e os linfócitos Th2, os centrócitos mais específicos são selecionados pra sobreviver, enquanto que os demais são eliminados por apoptose. O seleto grupo de linfócitos B sobreviventes se transformam em linfócitos B de memória ou em plasmócitos. Os plasmócitos são secretores de imunoglobulinas. Concentram-se nos cordões medulares do linfonodo e ganham a circulação para se assestar na medula óssea novamente.

Epidemiologia

Por que existem tantos tipos de linfomas? Simples, porque um linfoma pode surgir em qualquer fase de maturação e diferenciação dos linfócitos, que vão implicar uma vasta gama de doenças um tanto distintas clinicamente. Antigamente os linfomas eram classificados apenas morfologicamente, mas com o advento da imunofenotipagem (CDs…) houve uma grande revolução na classificação dessas doenças, pois agora é possível dar um diagnóstico muito mais preciso em termos de tipo celular e comportamento clínico do linfoma. Nas últimas décadas, a incidência de linfoma vem curiosamente aumentando. Dois importantes fatores vem contribuindo para isso, a AIDS e o avanço nas técnicas de transplante de órgãos sólidos (a imunossupressão prolongada parece colocar o paciente em risco aumentado, cerca de 30-60 vezes mais). Entretanto, de forma curiosa, os LNH vem sendo também mais encontrados em idosos que aprentemente não possuem nenhum fator de risco conhecido (é possível que a melhoria dos métodos diagnósticos tenha contribuído para isso). Os LNH de forma geral tem um pico de incidência entre 50-65 anos, mas podem aparecer em qualquer faixa etária, incluindo as crianças, ondem só perdem em incidência para a LLA e para as neoplasias neurais. A incidência aumenta de forma previsível, em progressão geométrica, conforme a idade do indivíduo. Os LNH parecem ter uma discreta preferência pelo sexo masculino (1,7:1) e pelos caucasianos, predominando em Europa, EUA e Austrália.

Os linfomas em geral estão associados a fatores ambientais. O maior exemplo da importância de fatores ambientais para a gênese desses cânceres vem da comprovada associação entre infecção pelo Epstein-Barr e alguns linfomas B, como os linfomas encontrados em pacientes com AIDS e o linfoma de Burkitt em crianças africanas (forma endêmica). Anormalidades cromossomiais que promovem deficiências imunológicas congênitas na infância também são fator de risco. Mesmo assim, a maioria dos linfomas permanece com etiologia indefinida. Vamos às principais condições associadas ao aparecimento dessa doença:

AIDS: a infecção pelo HIV, quando o indivíduo encontra-se na fase AIDS, aumenta a indicência de LNH em mais de 100 vezes. Os LNH relacionados a AIDS, em ordem de incidência, são:
-Linfoma B difuso de grandes células imunoblástico
-Burkitt
-Primário de SNC
-Linfoma de cavidades serosas (costuma abrir o quadro com derrames em serosas) - se associa a HHV8 (o mesmo do sarcoma de Kaposi) e EBV.

O linfoma de SNC é o que mais se associa com níveis CD4 menor que 50, em contraste com o Burkitt, que pode ocorrer com CD4s maiores. O Epstein-Barr vírus infecta linfócitos B e desempenha um papel importante, sendo encontrado em 100% dos casos de LNH de SNC.

HTLV-1: associa-se com leucemia e linfoma de células T do adulto.
H. pylori: linfoma MALT. A erradicação da H. pylori é capaz de fazer regredir o linfoma!
Sjogren: associado ao linfoma B da zona marginal (40x mais risco)
Hashimoto: gera linfomas do tipo MALT da tireóide.
Doenças autoimunes diversas: há um pequeno aumento na incidência em pcts com lupus, AR, ES, polimiosite e DII.
Doença celíaca: aumenta 40x o risco de linfoma intestinal (enteropathy associated T lymphoma, EATL).
Doença Intestinal Imunoproliferativa: antigamente era citado como entidade pré-maligna, mas é hoje em dia considerado já um linfoma de baixo grau, que infiltra de forma difusa a parede do duodeno e jejuno proximal. Está associado a verminoses e é mais comum em países do mediterrâneo.
Fatores ambientais: herbicidas, radiação ionizante, solventes orgânicos, resinas de cabelo. O tratamento do linfoma de Hodgkin curiosamente aumenta em 20 vezes a chance de desenvolver um LNH.

Classificação

São mais de 20 tipos de LNH, classificados em indolentes (sobrevida sem tratamento medida em anos), agressivos (sobrevida sem tratamento medida em meses) e altamente agressivos (semanas). 85% dos LNH são de células B, e 15% de células T ou NK.

Clínica

A grande maioria dos pacientes com linfoma, seja LNH ou Hodgkin, se apresenta com linfadenomegalia periférica não-dolorosa. 2/3 dos pacientes abre o quadro com essa manifestação. Nos indolentes, costuma ser mais insidiosa, podendo alternar crescimento e regressão dos linfonodos num padrão wax-wane, e o paciente pode ser assintomático (não procura o médico). Nos agressivos, o paciente se apresenta com crescimento linfonodal rápido, logo percebido por ele. Algumas vezes um linfoma agressivo surge de um linfoma indolente, por "transformação neoplásica".

Indica-se biópsia pra qualquer linfonodo que apresente as seguintes características:
1) >2cm
2) localização supraclavicular ou escalênica
3) Crescimento progressivo
4) Consistência endurecida, aderida a planos profundos.

A biópsia deve ser de todo o linfonodo, pois a tipagem do linfoma depende de sua arquitetura histopatológica.

Os LNH possuem um padrão de comprometimento ganglionar diferente da doença de Hodgkin. Eles acometem mais o anel de waldeyer, os linfonodos abdominais e os epitrocleares (sim, linfonodos da região interna do cotovelo… que capricho, não é mesmo?). Por outro lado, o mediastino é mais poupado no LNH (20% vs 60%), com exceção de linfomas B que tem tropismo pelo mediastino, como o linfoblástico (importante em crianças) e a forma mediastinal do difuso de grandes células B.

Sintomas B:
Febre maior ou igual a 38ºC + Sudorese Noturna + Perda de peso maior ou igual a 10% nos últimos 6 meses. A presença da tríade indica pior prognóstico! É observada em 40% dos LNH e 35% dos LH.

Esplenomegalia: pode ou não estar presente.

Acometimento extra-nodal: é mais comum nos LNH e mais raro na doençå de Hodgkin. Os locais mais afetados são medula óssea e TGI. Outros locais que merecem citação são pele, fígado, pulmão, nasofaringe, órbita, SNC, meninges, rins, testículos, glândulas salivares, tireóide e ossos da mandíbula (ossos da mandíbula?? Pensar em Linfoma de Burkitt, forma endêmica!). A característica de diversas possibilidades de acometimento de órgãos, e portanto, a ampla gama de manifestações clínicas decorrentes, nos LNH (e menos frequentemente nos LH) faz com que essas doenças sejam de grande importância em termos de diagnóstico diferencial em medicina interna.

Prognóstico

Paradoxalmente, os linfomas indolentes não respondem bem ao tratamento, embora sem tratamento evoluam com maior sobrevida. Já os linfomas agressivos, de péssima sobrevida sem tratamento, atingem cura em 40-85% das vezes com tratamento adequado. Nos LNH o prognóstico é dado principalmente pelo tipo histológico, em contraste com o linfoma hodgkin, que depende mais do estadiamento. Após 6 anos de doença, em média, a sobrevida dos linfomas agressivos com tratamento é melhor do que as dos linfomas indolentes, pois os pacientes que respondem ao tratamento deixam de morrer, enquanto que a mortalidade pelo linfoma indolente aumenta progressivamente com o tempo (beirando 100% em 10 anos). 

Além do tipo histológico, outros fatores contribuem para o prognóstico. Esses fatores são agrupados no "IPI", a seguir.

Compõem o International Prognostic Index (IPI):
-Idade > 60 anos
-LDH elevado
-Status performance > 2 (vai de 0 a 4, sendo 0 o paciente assintomático, 1 sintomático ambulatorial, 2 sintomático menos de 50% do tempo acamado, 3 sintomático mais de 50% do tempo acamado, e 4 acamado).
-Ann-Harbor* III pra cima
-Acometimento extranodal

*Estadiamento Ann-Harbor: é mais usado para o linfoma de Hodgkin, onde tem maior importância prognóstica, mas também pode ser aplicado aos LNH. 
Estágio I: comprometimento de região linfonodal única ou único sítio extranodal (estágio IE de extranodal)
Estágio II: comprometimento de duas ou mais regioes linfonodais ou sítio extranodal localizado, ambas do mesmo lado do diafragma (acima ou abaixo)
Estágio III: comprometimento de regiões linfonodais dos dois lados do diafragma, incluindo por vezes um sítio extranodal localizado (IIIE) ou baço (IIIS)
Estágio IV: comprometimento difuso ou disseminado de um ou mais sítios extranodais (fígado, MO, pulmão, etc.)
Sintomas B: a presença dos sintomas B confere o sufixo "B" ao estadiamento Ann-Harbor. A ausência concede o sufixo "A".

O IPI atribui 1 ponto para cada item de mau prognóstico que o paciente apresenta, somando-os em seguida. Logo, o escore vai de 1 a 5. Veja:

Sobrevida média em 5 anos em LNH pelo escore IPI
0-1 ponto: 73%
2 pontos: 51%
3 pontos: 43%
4 a 5: 26%

O IPI tem sido mais utilizado para os LNH agressivos. Para os indolentes, se utiliza um escore semelhante, mas trocando o status de performance e o acometimento extranodal por outros parâmetros (níveis de hemoglobina - menor que 12 ganha 1 ponto - e número de sítios linfonodais acometidos - se >5, ganha 1 ponto).

Qual o linfoma mais comum?
O linfoma difuso de grandes células B (linfoma agressivo) é o mais frequente tipo de linfoma não-hodgkin!

Linfomas Indolentes

O protótipo desse grupo é o Linfoma Folicular de Células B. é o segundo LNH mais comum. Costuma apresentar-se após os 60 anos, sutilmente mais comum em mulheres (1,3:1). A doença se manifesta com Linfadenomegalia de início insidioso, predominando nos linfonodos cervicais, supraclaviculares, axilares e inguinais. Períodos de regressão espontânea e crescimento linfonodal são comuns. A sobrevida média é de 5-10 anos, e o tratamento pouco é capaz de mudar essa sobrevida, exceto em doenças localizadas. Esse prognóstico é relativo ao estágio III ou IV… observe que 2/3 dos pacientes se apresentam no estágio III ou IV, devido à escassez de sintomas no início da doença. Lamentavelmente, a esmagadora maioria dos linfomas indolentes não tem cura, e o indivíduo acaba morrendo do próprio linfoma.

Tratamento

Indolentes: nos poucos pacientes diagnosticados em fases muito precoces, a radioterapia direcionada é capaz de proporcionar a cura. Nos outros, o tratamento pouco influi e sobrevêm o óbito em 5-10 anos em média. Nesses casos o tratamento pode ser expectante, não havendo consenso acerca da melhor abordagem terapêutica para os casos avançados e sintomáticos de linfoma indolente

Agressivos

O tratamento deve ser precoce e intenso, com objetivo de curar a doença, e depende do tipo histológico. Diversas estratégias radioimunoquimioterápicas são empregadas para esse fim.

Um comentário:

  1. boa noite ,pela que entendi os limfomas malt não existe cura e que a pessoa tem até 10 anos de vida?sou portador de um linfoma não hodgins de células b tipo mal com baixa lesão

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