domingo, 5 de julho de 2015

Ascite

Ascite significa derrame líquido na cavidade peritoneal. Não é uma doença em si, mas sim um sinal de doença subjacente. Em condições fisiológicas existe um transudato (até 100ml) que lubrifica as membranas peritoneais, que não configura ascite. A presença de sangue ou pus no peritôneo também não são denominados ascite, mas sim hemoperitôneo e pioperitôneo.

Exame Físico

Quando a ascite é volumosa, o abdome fica globoso, tanto em pé como sentado. A cicatriz umbilical pode se aplainar ou até mesmo everter. Se a ascite estiver associada à hipertensão portal, é comum circulação colateral. Em ascites menos volumosas e/ou quando a musculatura abdominal é fraca, o abdome pode ficar na forma de "avental", projetando-se sobre o púbis, ou, principalmente com o paciente deitado, projetar-se para os flancos, configurando a forma de "batráquio".

A macicez de decúbito ou macicez móvel é o melhor método semiológico para detecção de ascite.

Exames complementares

Radiografia: tem pouco valor DX para ascite.

Ultrassonografia: é o método de escolha para detectar pequenas quantidades de líquido. É capaz também de dizer se o líquido está encistado ou livre, e se há presença de outras alterações que dão dicas da doença subjacente (alterações compatíveis com cirrose, massas abdominais ou pélvicas, metástases, cistos pancreáticos). Também é importante na realização de punções diagnósticas ou terapêuticas.

TC: não costuma ser usada pela acurácia da USG, mas sim, diagnostica com precisão a ascite e pode elucidar a etiologia.

Paracentese: a parecentese diagnóstica é exame obrigatório no paciente com ascite. Em pacientes cirróticos, uma paracentese sempre deve ser realizada no momento da internação, para rastrear a peritonite bacteriana espontânea, que pode ser assintomática. A paracentese deve ser realizada com anestesia local, em decúbito dorsal, após assepsia. Deve ser feita do lado esquerdo, para evitar puncionar o ceco, que é mais fixo. As complicações são raras, e incluem perfuração intestinal e hemorragia.

Biópsia peritoneal: é feita em casos selecionados de ascite, por via laparoscópica.

Exame do líquido ascítico
É fundamental para elucidação diagnóstica da ascite. leva-se em conta o aspecto macroscópico, exames bioquímicos (LDH, proteínas, uréia, glicose, amilase, lipídeos, marcadores tumorais), citologia convencional e oncótica, bacterioscopia (Gram / Ziehl - Nielsen) e cultura  (bactérias, fungos, BK).

Aspecto:
Seroso: é o mais comum. Aspecto clássico da cirrose não-complicada.
Hemorrágico: pode ser observado nas neoplasias, e mais raramente na peritonite tuberculosa. Não é a mesma coisa que hemoperitôneo! O sangue da ascite hemorrágica não coagula, ao contrário do sangue de acidente de punção.
Turvo: sugestivo de infecção.
Lactescente: aparência leitosa. Pode ser quiloso, com presença de linfa, que resulta de neoplasia ou trauma, ou quiliforme, que aparece em alguns tumores de peritôneo e raramente na cirrose.

Bioquímica
A análise bioquímica do líquido ascítico é um divisor de águas diagnóstico. O exame de maior destaque é o gradiente de albumina soroascite. Outros exames importantes são proteína total, glicose e o LDH (diferencia peritonite bacteriana espontânea da peritonite secundária), os triglicerídeos (aumentados nas ascites quilosas), as bilirrubinas (aumentados nas ascites biliares), uréia (ascite urinária), e amilase (ascite pancreática).

Citometria: a presença de hemáceas em grande número sugere neoplasia. O encontro de leucócitos em contagem elevada sugere processo inflamatório do peritôneo. O predomínio de polimorfonucleares sugere infecção bacteriana aguda, enquanto que o de mononucleares sugere tuberculose peritoneal, neoplasia ou colagenoses. O diagnóstico de PBE é dado pela presença de mais de 250 polimorfonucleares por mm³. Ascite hemorrágica pode falsamente aumentar o número de polimorfos, pois eles vem do sangue.

Citologia oncótica: fundamental para o diagnóstico diferencial da carcinomatose peritoneal (cânceres gastrointestinais, câncer de ovário). No hepatocarcinoma, é quase sempre negativa.

Etiologia das ascites
1: Hipertensão Porta
Toda hipertensão porta pode ser classificada em 3 tipos, de acordo com o nível de acometimento em relação aos sinusóides hepáticos: pré-sinusoidal (esquistossomose, trombose de veia porta), sinusoidal e pós-sinusoidal. Nas pré-sinusoidais não é esperado ascite, pois não há aumento pressórico nos sinusóides. Este ocorre somente nas intrassinusoidais e pós-sinusoidais. O líquido formado na hipertensão porta é um transudato.

2: Doença Peritoneal
Ocorre por inflamação do peritôneo, ocasionando obstrução de linfáticos e aumento da permeabilidade dos capilares peritoneais. É caracteristicamente um exsudato. A ascite neoplásica é a segunda forma mais comum de ascite, perdendo para a hipertensão portal da cirrose. Em terceiro lugar vem a peritonite tuberculosa. Em casos de dúvida diagnóstica, a laparoscopia com biópsia está indicada.

3: Causas Raras de Ascite
Ascite pancreática, biliar, quilosa, nefrogênica, mixedema, SIDA, síndrome de Meigs e ascite cardiogênica (quarta causa mais comum).

GASA
Toda vez que estamos frente a um quadro de ascite que não seja secundário a anasarca ou outras possibilidades mais remotas (causas raras), devemos nos fazer a seguinte pergunta: ascite é devido a hipertensão porta ou a alguma doença do peritôneo? Nesses casos, o gradiente de albumina soroascite é o melhor parâmetro para diferenciar exsudato (doença peritoneal) de transudato (hipertensão porta). É feita a subtração da albumina sérica pela albumina ascítica. Valores menores que 1,1g/dL sugerem exsudato (pouca diferença entre soro e ascite) e valores maiores que 1,1g/dL sugerem transudato.



terça-feira, 30 de junho de 2015

Parto Pré-termo

Definição
Parto que ocorre entre a 20a e 37a semana. Embora seja oficialmente prematura toda gestação abaixo de 37 semanas, o conceito poderia ser mudado considerando a maior sobrevida de recém-nascidos acima de 34 semanas. Recém nascidos de menos que 2500g são considerados de baixo peso, menos que 1500 de muito baixo peso e os com menos de 1000g de elevado baixo peso. Define-se "pequeno para a idade gestacional" (PIG) os recém-nascidos com o peso abaixo do percentil 10 para sua idade gestacional e "grande para a idade gestacional" (GIG) os que estão acima do percentil 90 para sua IG. Entre o percentil 10 e 90 são considerados adequados (AIG).

Fatores de Risco
Maiores
Gestação múltipla
Polidrâmnio
Anomalia fetal
Anomalia uterina
Cirurgia abdominal na gestação
Abortamento de repetição
Conização uterina prévia
Cérvice uterina incompetente
Rupreme
Corioamnionite

Menores
Febre
Sangrametno uterino
Pielonefrite/bacteriúria
Tabagismo
Adição a drogas
Abortamento prévio
Idade > 35 anos
Parto pré-termo anterior
Vaginite

Conduta
Se a gestação tiver mais do que 34-35 semanas, a conduta em geral é o parto. Abaixo disso, a conduta, se não houver contraindicações, será deter o trabalho de parto.
As contraindicações absolutas para tocólise são:
Doença cardiovascular ou renal grave
HAS não controlada
Pré-eclâmpsia
Diabete não controlado
Descolamento prematuro de placenta
Infecção ovular
Anomalias fetais incompatíveis com a vida/Morte fetal
Gestação com 35 semanas ou mais
Sofrimento fetal

E as contraindicações relativas:
Mais de 34 semanas
Rupreme
Aloimunização RH
Infecção respiratória grave
HAS controlada
CIUR
Doença cardio/renal controlada

Como primeira linha de tocolítico, usa-se a nifedipina, pois essa mostrou, quando comparada a outros tocolíticos, ser superior em reduzir a incidência de enterocolite necrosante, hemorragia ventricular, e síndrome da angústia respiratória, além de ter menos efeitos adversos. O objetivo da tocólise é dar tempo (48-72h) para intervenções necessárias, como o uso de corticóide e transferência para um centro onde haja serviço de neonatologia adequado.

Corticóide
Dever ser feito em dose única para todas as gestantes entre 24-34 para as quais não haja contraindicações (corioamnionite, infecções maternas, úlcera péptica sangrando, diabetes mellitus descompensdao, alcalose hipocalêmica, catarata)

MgSO4
É administrado para gestantes abaixo de 34 semanas por via EV até o parto. Previne distúrbios neurológicos como paralisia cerebral e distúrbios motores, sem aumentar a mortalidade.

Progesterona
Supositórios vaginais de progesterona reduzem a incidência de PPT em mulheres com risco aumentado (profilaxia).

Profilaxia Estreptococo Grupo B
É realizada quando o PPT está associado à rupreme, entre 24-37 semanas, para todas as gestantes com rastreamento positivo ou sem reastreamento.


domingo, 28 de junho de 2015

Hemorragias da Segunda Metade

Introdução
A incidência de hemorragia no terceiro trimestre é de cerca de 3%. As principais causas são o descolamento prematuro de placenta (DPP) e a placenta prévia. O diagnóstico etiológico e a estabilização hemodinâmica são prioridade no manejo dessas pacientes, pois situações como DPP exigem intervenção imediata, sob pena de morte fetal e materna. Cabe lembrar que gravidez ectópicaabortamento e doença trofoblástica gestacional, embora cursem com sangramento na gravidez, não figuram no diagnóstico diferencial do sangramento anteparto, pois são, por definição, hemorragias da primeira metade da gravidez.  Observe a tabela abaixo, do livro Rotinas em Ginecologia (Freitas et al, 2006).
DPP e Placenta prévia são as causas mais comuns.
Frente a uma gestante de terceiro trimestre com sangramento, o toque vaginal deve ser evitado, principalmente quando não há ultrassonografia, pois pode ser catastrófico, por exemplo, quando existe uma placenta prévia subjacente. Caso não haja possibilidade de obter uma USG, o toque deve ser realizado por profissional experiente e em ambiente cirúrgico controlado. Discutiremos agora cada uma das etiologias do "sangramento de terceiro trimestre".

Etiologia 1: Descolamento Prematuro de Placenta
  • É uma condição de alta morbimortalidade que se caracteriza pelo descolamento prematuro da placenta do endométrio, que, quando grave, é marcado por dor abdominal, sangramento agudo, hipertonia uterina, taquissistolia e sofrimento fetal agudo (padrão cardíaco fetal não reativo) que pode evoluir de forma fulminante para morte fetal se não tratada imediatamente, por perda da superfície de troca materno-fetal.
  • Existem descolamentos pequenos que são subclínicos e só são diagnosticados por USG. Em tempo discutiremos a classificação de gravidade do DPP.
  • A placenta se insere no endométrio por volta da vigésima semana.
  • Incide em 1-2% das gestações, e carrega consigo alta morbimortalidade, por estar envolvida ou ser causa direta das seguinte situações:
    • Morte materna (1-2%)
    • Morte fetal (mortalidade perinatal) (40-80%!!)
    • Prematuridade (5%)
    • Crescimento Intrauterino Restrito (CIUR)
    • Repete em gestações futuras (5-15%)
    • O quadro hemodinâmico pode complicar com CIVD, insuficiência hepática, necrose cortical renal, necrose tubular aguda, pulmão do choque, hemorragia intracraniana, hemorragia puerperal e síndrome de Sheehan
Etiologia/Fatores de Risco
  • Hipertensão arterial sistêmica (principal fator, seja prévia ou associada à Pré-eclâmpsia)
  • Pré-eclâmpsia
  • Tabagismo
  • Cocaína / Crack
  • DPP anterior
  • Multiparidade
  • Desnutrição materna / carência de ácido fólico
  • Trombofilias
  • Brevidade de cordão absoluta ou relativa (por circulares)
  • Trauma materno (agressão, acidentes automobilísticos)
  • Descompressão uterina rápida (ex: ruptura de membranas em polidrâmnio, após parto de primeiro gemelar)
  • Implantação placentária sobre anomalia uterina/mioma
  • Rupreme pré-termo 
  • Corioamnionite
Diagnóstico
O diagnóstico é clínico. Deve-se presumir o diagnóstico de DPP em grávida hipertensa ou tabagista no último trimestre com qualquer grau de sangramento ou dor abdominal. Em 80% dos casos ocorre hemorragia externa, mas em 20% a hemorragia é interna, oculta. Na forma grave evolui para choque hipovolêmico, porém, na forma leve, pode apenas ser um achado ecográfico casual. Veja a tabela abaixo:
Classificação do DPP. Do livro Rotinas em Obstetrícia (Freitas et al, 2006)
A hemorragia, quando oculta, pode evoluir com uma complicação chamada Útero de Couvelaire, ou Apoplexia Uteroplacentária, caracterizada pela invasão do miométrio pelo sangramento retroplacentário em direção à cavidade peritoneal. A invasão miometrial pelo sangue leva à disfunção contrátil e hipotonia uterina.
Útero de Couvelaire, ou apoplexia uteroplacentária. Útero tomado por manchas roxas e avermelhadas que correspondem ao sangue que invade o miométrio na direção da cavidade peritoneal. Em 20% dos casos de DPP o útero evolui com hipotonia refratária à uterotônicos (ex: Ocitocina); isso geralmente ocorre nos casos de fibrinólise grave.

Conduta
O diagnóstico e a conduta precoces são fundamentais. Feito o diagnóstico, faremos uma abordagem clínica de urgência:
  • Obter dois acessos venosos periféricos calibrosos para reposição volêmica;
  • Instalar catéter vesical para medir o fluxo urinário orientar a terapia de reposição, objetivando 30-60mL/h
  • Gasometria arterial e amostra de sangue venoso para determinar:
    •  PO2, PCO2 (alta e baixa respectivamente sugerem evolução com pulmão do choque! Nesse caso podemos observar opacificações no RX Tórax)
    • Função renal (uréia e creatinina)
    • Fibrinogênio, TTPa, TP, plaquetas: fibrinogênio baixo, TTPa e TP prolongados, e plaquetas menor que 100.000 confirmam o diagnóstico de CIVD
Feita essa abordagagem inicial... partiremos para a conduta obstétrica.

Conduta Obstétrica
A não ser em casos leves de DPP (grau 0), é imprescindível prosseguir com o esvaziamento uterino de forma precoce, para evitar complicações. Nos casos de DPP grau 1 pré-termo, entretanto, é aceitável induzir a maturidade pulmonar fetal com corticóide em primeiro momento, sob vigilância rigorosa da vitalidade fetal, e após prosseguir com o parto. Nos demais graus, a conduta obstétrica é dividida em dois cenários:
  • Feto vivo: em geral a cesárea é o melhor procedimento. Está associada a uma significativa redução da mortalidade neonatal (OR: 0,10) (Witlin; Sibai, 2001). Porém, com trabalho de parto adiantado, segue-se a amniotomia, podendo-se realizar o parto por via baixa, sempre monitorando o frequência cardíaca fetal. A amniotomia, além de abreviar o parto, reduz o risco de CIVD, por reduzir a passagem de tromboplastina tecidual para a circulação materna!
  • Feto morto: quando ocorre o óbito fetal, isso indica que houve descolamento grave e que ocorreu há algum tempo, ocorrendo maior risco de complicações maternas nesse cenário. Recomenda-se, portanto, primeiro estabilizar a gestante (repor volemia, fatores de coagulação) e aguardar o parto vaginal em 4-6 horas. Fazer amniotomia e ocitocina.
Etiologia 2: Placenta Prévia
É a inserção da placenta no segmento inferior do útero, entre o feto e o canal de parto, ou seja, a placenta é "prévia" em relação ao feto. A principal morbidade ligada à PP é a hemorragia, que pode evoluir com choque hipovolêmico. Se divide em quatro tipos:
Fonte: Rotinas em Obstetrícia (Freitas et al 2006). A placenta prévia oclusiva completa ou total é uma indicação absoluta de parto cesareano.




Etiologia/Fatores de Risco
Podemos dividir os fatores de risco em três grupos: 
  1. Dano endometrial
  2. Hipóxia placentária com necessidade de maior amplitude de superfície.
  3. Miscelânea (só dois: etnia asiática e feto do sexo masculino)

Relacionados ao dano endometrial:
  • Cesáreas prévias (10% após 4 ou mais)
  • Multiparidade (0,2% nulíparas vs. 5% multíparas)
  • Idade > 40 anos
  • Manipulação uterina prévia (abortos, curetagens, biópsias)
  • Endometrites anteriores
Relacionados à hipóxia placentária:
  • Tabagismo
  • Gemelaridade
  • Altitude
  • Isoimunização Rh
Conceitos-chave:
  • Incide em 4:1000 gestações
  • Quando diagnosticada entre 10-20 semanas, 90% se resolverão espontaneamente até 28-32 semanas.
  • A clínica geralmente inicia com 28 semanas.
  • O quadro clínico é marcado por hemorragia "e mais nada", exceto por incremento na morbimortalidade fetal. Não há dor. A hemorragia é recorrente, progressiva, "paroxística", com início e fim abruptos.
  • Em 10% há dor porque há DPP concomitante.
  • Se associa com trabalho de parto prematuro. A incidência é crescente:
    • 3,5% com 28 semanas
    • 11,7% com 32 semanas
    • 16,1% com 34 semanas
  • Se associa com aumento da morbimortalidade perinatal: rupreme, infecção puerperal, atonia uterina, sangramento puerperal, crescimento intrauterino restrito, anemia materna.
  • Não espera-se hipertonia uterina, a menos que haja DPP associado
  • Não espera-se sofrimento fetal agudo, a menos que haja DPP associado, choque hipovolêmico ou acidente com o cordão umbilical
  • A apresentação fetal é frequentemente anormal ao exame físico:
    • 25-35x mais chance de apresentação transversa
    • 2-3x mais chance de apresentação pélvica
    • Se for cefálica, normalmente é alta e móvel
  • Toque vaginal e amnioscopia devem ser evitados, pelo risco de precipitar sangramento. O toque até pode ser realizado, mas somente na iminência do parto ou de sofrimento fetal, feito idealmente por profissional experiente e em ambiente cirúrgico (nesse caso, tudo deve estar preparado para uma cesareana de urgência, e a exploração digital revela o sinal clássico de massa esponjosa no segmento inferior.
Diagnóstico
Ultrassonografia é o melhor método para o diagnóstico e, a menos que haja sofrimento fetal ou parto imediato, deve ser feita para confirmar PP e localizar a placenta. A via transvaginal é a de escolha (não apresenta maior taxa de sangramento em relação à abdominal).

Conduta
A conduta dependerá de 
  • Idade gestacional (36 semanas é o ponto de corte para conduta conservadora X ativa)
  • Gravidade do sangramento
  • Tipo de placenta prévia (total? marginal? lateral? parcial?)
  • Apresentação fetal (frequentemente não-cefálica)
Gestantes com menos de 36 semanas deverão ser internadas, deixadas em repouso, receber reposição volêmica, e o feto deverá ser avaliado (há risco de hipóxia fetal). A inibição do trabalho de parto pré-termo, se presente, é controversa. Drogas usadas para isso como a nifedipina causa uma vasodilatação periférica e poderia produzir uma "síndrome do roubo". Está contraindicada em caso de sangramento ativo com repercussão hemodinâmica. No entanto, sabe-se que, por reduzir as metrossístoles, pode melhorar o sangramento. Se a IG for igual ou menor que 34 semanas, deve-se fazer corticóide para maturação pulmonar fetal. As evidências são insuficientes para recomendar cerclagem.

Gestantes com mais de 36 semanas receberão conduta ativa: parto. Se houver dúvida quanto à IG, pode-se fazer exames para avaliar maturidade pulmonar fetal. Ainda que não haja 36 semanas completas, a presença de um sangramento intenso que coloque em risco a vida da mãe ou feto também implica conduta ativa. A cesariana é a via de escolha na PP. Nas placentações laterais e/ou marginais, o parto transpelviano pode ser escolhido. Caso seja escolhido o parto transpelviano, as membranas devem ser rompidas precocemente (método de Puzos), pois a apresentação irá tamponar o bordo placentar, ajudando a conter o sangramento. A monitorização fetal deve ser contínua. A ocitocina pode ser usada como de costume, com o cuidado de não provocar hipertonia ou taquissistolia, pois ambos podem levar à hipóxia fetal. O misoprostol não deve ser utilizado. Dá-se preferência pela anestesia geral em relação à condutiva, pois a última pode causar vasodilatação e diminuição do retorno venoso. A taxa de mortalidade perinatal é de cerca de 10 vezes maior, e está ligada à ocorrência de prematuridade.

Etiologia 3: Acretismo Placentário
O acretismo é definido pela adesão patológica da placenta na parede uterina, podendo ocorrer de várias formas, num contínuo de gravidade:

  • Acreta: apenas aderencia patológica no endometrio
  • Increta: Penetra o miométrio
  • Percreta: Invade a serosa, perfurando-a, podendo atingir até mesmo órgãos vizinhos
A placenta increta e a percreta podem evoluir com ruptura uterina. Os fatores de risco para acretismo são:
  • Cesarianas prévias
  • Placenta prévia
  • Manipulação uterina (curetagens, etc)
  • Multiparidade
Observe a tabela abaixo, do livro Rotinas em Obstetrícia (Freitas et al 2006)
Observe que o risco de acretismo e histerectomia avança na medida em que cesareanas são realizadas.















Conduta
A conduta é complexa e controversa na literatura, mas, em síntese, podemos dizer que no caso da placenta acreta o manejo é conservador, e na placenta increta e percreta em geral é necessário histerectomia pós-parto.

Etiologia 4: Ruptura Uterina
Os fatores de risco são:

  • Misoprostol
  • Idade avançada
  • Multiparidade
  • Superdistensão uterina
  • Insistência no parto via baixa em casos de desproporção cefalo-pélvica não diagnosticada
  • Manobras intrauterinas intraparto (inclui uso inadequado de fórcipe)
  • Cesareanas prévias
  • Acretismo placentário (percreta e increta)
  • Pequeno intervalo entre gestações
Iminência de Rotura
É possível diagnosticar o momento que antecede a rotura uterina. Chamamos esse momento de Síndrome de Bandl-Frommel, decorrente de dois sinais com mais especifidade para esse diagnóstico, o sinal de Bandl (útero em ampulheta - banda fibrosa transversal no segmento inferior) e o sinal de Frommel (ligamentos redondos estirados, retesados e hipercontraídos). Sinais menos específicos são taquissistolia e hipertonia, e sinais sistêmicos "adrenérgicos" como palidez, sudorese, agitação.

Ruptura Consumada
Nos casos de ruptura completa, ocorre parada do trabalho de parto e fácil palpação de partes fetais (o feto é expulso para dentro da cavidade peritoneal). Pode ocorrer crepitação na parede abdominal, pela passagem de ar via vaginal (sinal de Clarke). Pode ocorrrer hipotensão e taquicardia reflexa (sangramento intenso). O sangramento é variável, vai de leve a muito intenso com morte fetal. O sofrimento fetal pode ser o único sinal de ruptura.

Conduta
A conduta depende do grau de suspeita. A cesareana deve ser imediata.

Etiologia 4: Vasa Prévia
Ocorre quando vasos desprotegidos transitam entre a apresentação e o canal de parto, no segmento inferior do útero. É rara, mas com alta taxa de mortalidade fetal (33-100%). Geralmente ocorre após amniotomia, pois a mesma leva a rotura do vaso e exsanguinação fetal. Também pode se apresentar com bradicardia fetal quando a apresentação comprime o vaso. O diagnóstico pode ser feito por amnioscopia ou toque vaginal. O uso do doppler colorido no pré-natal por via transvaginal aumentou o diagnóstico precoce dessa condição. A USG de segundo semestre deveria ser feita em todas as pacientes que apresentassem placenta lateral ou marginal baixa, placenta bilobada ou suscenturiada, gestação múltipla, fertilização in vitro e inserção baixa de cordão.

Agora que você já conhece os sangramentos da segunda metade, aproveite para relembrar as indicações clássicas de Cesareana:
Rotinas em Obstetrícia (Freitas et al 2006)



quarta-feira, 24 de junho de 2015

Deficiência de Alfa1-Antitripsina

Definição
Doença rara que pode afetar o pulmão, fígado e raramente a pele. A clínica, pouco conhecida, chama a atenção pois leva a:

  1. Colestase neonatal
  2. Cirrose em lactentes
  3. Enfisema pulmonar no adulto jovem.
Fisiopatologia
A alfa1-antitripsina é uma proteína sintetizada pelo fígado com atividade antiprotease, ou seja, ela inibe a ação de enzimas proteolíticas liberadas por leucócitos e bactérias mortas. A ausência da atividade antiprotease da alfa1-antitripsina, que é a nossa mais importante antiprotease, leva à destruição progressiva do parênquima pulmonar, levando a enfisema, por acúmulo de elastase! No fígado, os precursores malformados da alfa1-antitripsina se acumulam, e por motivos pouco conhecidos, o fígado evolui com cirrose. Existem fenótipos com ausência total da enzima, que são mais graves, e deficiências parciais, de menor gravidade.

Diagnóstico
Dosagem sérica da alfa1-antitripsina.

Tratamento
Pode-se instituir a terapia de reposição com a enzima derivada de plasma humano. Contraindicar de forma veemente o tabagismo. Vacinar e combater agressivamente e precocemente as infecções da via aérea inferior, com ATB precoce nas pneumonias, e broncodilatadores para alívio da doença obstrutiva crônica (enfisema). 

Fibrose Cística

Definição
É uma doença genética multissistêmica. autossômica recessiva, que leva a um defeito de um canal transmembrana condutor de cloreto, presente em vários epitélios de glândulas exócrinas do organismo. O resultado é a disfunção desses epitélios, caracterizada pela incapacidade de secretar íon cloreto em resposta ao AMP cíclico. O quadro clínico é marcado por infecções recorrentes das vias aéreas, insuficiência pancreática (principal causa na infância) e elevada concentração de cloreto no suor.

Epidemiologia
A incidência varia de 1:2000-5000. A expectativa de vida gira em torno dos 35 anos, a despeito de atenção médica. No Brasil, alguns estados incorporaram a triagem neonatal para a doença no teste do pezinho (Minas Gerais, Paraná e Santa Catarina). Infelizmente, como não há triagem universal, a média do diagnóstico fica ao redor dos 4 anos.

Fisiopatologia
Existem mais de 1400 mutações no canal de cloreto (CFTR - cystic fibrosis transmembrane regulator), que podem levar a ausência da síntese, bloqueio de processamento, bloqueio na regulação, condutância alterada ou redução da síntese. Essa ampla variedade genotípica leva a um espectro muito amplo de fenótipos, que vão desde a uma doença muito grave a uma doença leve que vai se manifestar apenas na adolescência.

Clínica
Respiratória

  • Superior
    • Sinusite, pólipos
  • Inferior
    • Infecções de repetição
    • Bronquiolite
    • Pneumonias
    • Bronquiectasias
    • Bronquite
    • Atelectasias
    • Aspergilose broncopulmonar alérgica
    • Cor pulmonale
OBS: sabe-se que a função pulmonar é inversamente proporcional à expectativa de vida. Declina com a evolução da doença, e está associada ao aparecimento das infecções de repetição. O diagnóstico precoce dessas infecções pode ajudar a frear o declínio da função pulmonar, e portanto, aumentar a expectativa de vida. Assim, exames complementares são necessários e solicitados periodicamente na tentativa de detectar precocemente e tratar de forma oportuna essas infecções. O exame de escarro deve ser realizado em todas as consultas; a espirometria a cada 6 meses, e a TC de tórax a cada 2 anos.

Gastrointestinal
  • Cerca de 20% das crianças com fibrose cística apresenta obstrução intestinal neonatal por íleo meconial (mecônio espesso). 
  • Algumas podem apresentar perfuração intestinal ainda no período intraútero e desenvolver um quadro de peritonite meconial, detectado após o nascimento pela presença de calcificações peritoniais e de escroto visíveis na radiografia abdominal.
  • 85% evolui com síndrome disabsortiva por insuficiência pancreática exócrina, com todos comemorativos da mesma: esteatorréia, desnutrição, deficiência de vitaminas ADEK (lipossolúveis). Com a evolução da doença, insuficiência do pâncreas endócrino também pode surgir, com hiperglicemia, glicosúria e poliúria ("diabetes mellitus relacionado à fibrose cística").
  • 30% dos adolescentes em torno de 15 anos manifestam sintomas de disfunção hepática.
  • 2-3% evolui com cirrose biliar
  • 20% das crianças entre 6-36 meses apresentará prolapso retal. 
  • Outras condições associadas: intussuscepção, volvo, apendicite, atresia intestinal, refluxo gastroesofágico e colelitíase
Glândulas sudoríparas: excessivas perdas de sal através da pele, que pode levar à hiponatremia, especialmente durante episódios de gastroenterite e temperaturas elevadas. Também podem desenvolver alcalose hipoclorêmica.

Diagnóstico
O teste do suor é o padrão-ouro, pois possui alta sensibilidade e especificidade e baixo custo. Consiste na dosagem do cloreto no suor, pelo método da iontoforese, através da estimulação com pilocarpina durante 30 minutos. O teste é positivo quando a concentração de cloreto for maior que 60mEq/L. Níveis inferiores a 40 mEq/L são normais, e valores entre 40-60 mEq/L são considerados duvidosos, devendo ser repetidos. Resultados falso-positivos podem ser encontrados em insuficiência adrenal, hipoparatireoidismo, hipotireoidismo, diabetes insipidus, síndrome nefrótica, pan-hipopituitarismo e mucopolissacaridoses. Por outro lado, falso-negativos podem ser observados em condições como edema e hipoproteinemia.

Tratamento
  1. Vacinas: antipneumocócica, anti-influenza e anti-varicela.
  2. Antibioticoterapia: a indicação formal de início de ATB é diante da presença de sinais e sintomas de exacerbação: febre, piora do estado geral, piora da tosse, escarro purulento, anorexia, intolerância ao exercício, taquipnéia, hemoptise, fadiga ou sonolência. Piora na ausculta, radiografia ou VEF1 também são considerados. Outras duas condições além das exacerbações indicam ATB -> 1)colonização de orofaringe positiva e anticorpos séricos aumentados para Pseudomonas aeruginosa e 2) pacientes colonizados cronicamente com S. aureus e Pseudomonas. Frente a uma exacerbação em um paciente colonizado por esses germes, está indicada internação para realização de ATB venoso por 14-21 dias com oxacilina + amicacina + ceftazidima.
  3. Mucolíticos: os mais estudados são aqueles à base de DNAse recombinante, que tornam o muco mais fluido.
  4. Nebulização com salina a 7% 4x/dia. O salbutamol em spray oral pode ser administrado antes das nebulizações.
  5. Lipase recombinante: substitui a lipase pancreática, ausente na doença. A dose recomendada é de 1.000 unidades/kg por refeição. A maioria das formulações para terapia de reposição contém lipase junto com protease e amilase. Dependendo do grau de déficit nutricional pode ser necessária a reposição de vitaminas lipossolúveis

Síndrome da Morte Súbita do Lactente (SMSL)

Conceito
É a morte de um lactente (29 dias - 2 anos, com pico de incidência nos 2-4 meses) de forma súbita, não explicada pela história clínica e pelo exame post mortem, que inclui a autópsia e análise da cena do óbito (importante para diferenciar de assassinato - sufocamento intencional). A autópsia é fundamental para excluir causas como infecção, anomalias congênitas, trauma não-intencional e abuso físico.

Fisiopatologia
Não existem achados patognomônicos na autópsia, mas podem ser encontrados petéquias e edema pulmonar, de causa desconhecida. Parece existir nesses lactentes uma incapacidade de despertar diante de um estado hipóxico, provavelmente por alterações nos centros respiratório e cardiovascular do tronco encefálico, mais especificamente no núcleo arqueado do bulbo, que regula funções autonômicas como sono-vigília. 60% das crianças vítimas da SMSL tem uma hipoplasia desse núcleo.

Fatores de Risco

  • Tabagismo: principal fator. O risco é proporcional ao número de fumantes na casa e carga tabágica.
  • Sono em posição prona (barriga pra baixo) ou decúbito lateral: a incidência de SMSL nos EUA era de 1,4/1000 nascidos/ano; quando a Academia Americana de Pediatria passou a recomendar o sono na posição não-prona, se verificou uma queda dessa incidência para 0,5/1000. Deve-se adotar portanto, a posição supina (barriga pra cima).
  • ALTE (Apparent Life-threatening Event)
  • Filhos de pais que tiveram filho com SMSL prévia
  • Sexo masculino
  • Condições econômicas desfavoráveis
  • Afro-americanos
  • Prematuridade
  • Ausência de chupetas
  • Colchão e travesseiro muito macios
  • Dormir com os pais na mesma cama
  • Estresse térmico (calor/frio em excesso)
  • Drogas e álcool: o consumo de álcool antes da concepção e no primeiro trimestre parece aumentar em 6-8x o risco de SMSL.
  • Deficiência Nutricional
  • Crescimento Intrauterino Restrito
  • Hipóxia Intraútero
  • Mães jovens, solteiras, com baixo nível de escolaridade
  • Ausência de pré-natal
  • Elevação de alfafetoproteína no segundo trimestre
Diagnóstico Diferencial
As principais condições que devem ser consideradas no diagnóstico diferencial de caso de morte súbita e inesperada de um lactente são:
  • Cardíacas
    • Síndrome de Wolf-Parkinson-White
    • QT longo congênito
    • Bloqueio cardíaco congênito
  • Neurológicas
    • Hipoventilação congênita central
    • Doença neuromuscular
    • Síndrome de Leigh
  • Pulmonar
    • Hipertensão pulmonar
  • Metabólicas
    • Hiperplasia adrenal congênita
    • Hiperamonemia
    • Deficiência de coenzima A
  • Infecção
  • Violência/Abuso
Conduta
Não há nenhum exame que possa determinar o risco de um lactente evoluir com SMSL. Assim, recomenda-se que uma série de medidas sejam adotadas universalmente, tendo por objetivo reduzir a incidência dessa doença. Vamos a elas:
  • Dormir em posição supina
  • Dormir em berço próprio, de superfície firme, no quarto dos pais, próximo da mãe.
  • Colchão firme (colchões de água ou superfícies muito fofas devem ser evitadas)
  • Travesseiros, colchas, mantas, brinquedos de pelúcia devem ser mantidos longe do berço. As mantas deverão ser substutuídas por sacos de dormir
  • Evitar o hiperaquecimento por excesso de agasalhos
  • O bebê poderá ficar na posição prona desde que supervisionado
  • A chupeta pode ser usada quando o aleitamento materno estiver bem estabelecido. Se usada, deve ser oferecida próxima à hora de dormir
  • O tabagismo durante a gestação e o tabagismo passivo devem ser combatidos, bem como o álcool durante a gestação e mesmo no período da pré-concepção.

segunda-feira, 22 de junho de 2015

Doença Trofoblástica Gestacional

Definição e Conceitos Fundamentais

  •  As doenças trofoblásticas gestacionais (DTGs) são um grupo heterogêneo de lesões neoplásicas que surgem do epitélio trofoblástico da placenta. O prognóstico é bom, mesmo quando a doença está disseminada, com metástases à distância. A maioria das gestações molares estára curada após esvaziamento uterino, porém, 10-20% dos casos podem evoluir para a forma maligna.
  • A probabilidade de cura depende do tipo histológico, da extensão da doença, do nível de HCG, da duração da doença, do sítio das metástases e da natureza do antecedente gravídico (como veremos, a DTG pode surgir após um abortamento, gestação ectópica, gestação pré-termo/a termo).
  • Existem 4 tipos histológicos: mola hidatiforme (inclui a forma completa ou parcial), mola invasora (neoplasia trofoblástica gestacional persistente/invasiva), coriocarcinoma e PSTT (tumor trofoblástico do sítio placentário)
Mola Hidatiforme vs. DTG Maligna
  • Tanto as completas quanto as parciais são tumores localizados, geralmente não-invasivos, que se desenvolvem como resultado de um evento de fertilização aberrante que leva a um processo proliferativo. 
  • Compõem 80% dos casos de DTG. 
  • Os outros tipos histológicos de DTG (mola invasora, coriocarcinoma e PSTT) são os que representam a doença maligna propriamente dita, pelo seu maior potencial de invasão e disseminação, embora as molas hidatiformes possam invadir (15% dos casos) e malignizar (4% dos casos).
  •  Embora se diga que as molas hidatiformes são "benignas", a DTG maligna pode se desenvolver a partir de uma gravidez molar, ou pode surgir depois de qualquer tipo de gestação: aborto espontâneo ou induzido, gravidez ectópica, gestação a termo e gestação pré-termo.
  • A incidência da mola hidatiforme varia amplamente, de 23-129 casos por 100.000 gestações. A DTG maligna é menos comum.
  • Risco tem sido associado a alguns fatores: extremos da idade reprodutiva, gestação molar prévia, tipo sanguíneo, baixo nível socioeconômico, hipovitaminose A e dieta pobre em gordura animal. A idade paterna parece não influenciar o risco. A tecnologia de reprodução assistida, ao ampliar o potencial de fertilidade em mulheres mais velhas, aumenta os casos nessa faixa etária.
Clínica
  • Sangramento vaginal (padrão "sangramento da primeira metade da gravidez"), fazendo diagnóstico diferencial com abortamento e gestação ectópica. Pode conter vesículas hidrópicas.
  • Sinais sutis e de menor especificidade; útero aumentado em relação à idade gestacional, pressão ou dor pélvica, anemia, cistos tecaluteínicos.
  • Sinais "bizarros", tem maior especificidade, relacionados com níveis altos de HCG e mola completa: passagem vaginal de vesículas "hidrópicas", hipertireoidismo, hiperêmese gravídica, pré-eclâmpsia antes de 20 semanas de gestação.
  • Perceba que existe a possibilidade dessa síndrome bastante clássica e "florida" descrita acima.  Devemos ter em mente, entretanto, que ela está associada muito mais à mola completa, sendo apenas raramente observada nas outras DTGs. 
Mola Hidatiforme: Completa vs. Incompleta

Compõem o tipo histológico mais encontrado de DTG (80%). Observe a tabela abaixo.

Fonte: Rotinas em Obstetrícia (Freitas et al, 2006)
1. Mola Completa: resulta da fertilização de um óvulo com núcleo ausente ou inativo com a carga gênica somente do pai, ou da fertilização do mesm óvulo, mais raramente, por dois espermatozóides. Nesse caso, o genótipo pode ser 46XX (duplicação da carga genética de um espermatozóide 23X, fazendo uma diploidia) ou 46XY (dois espermatozóides). Esse último é encontrado em molas recorrentes e persistentes, e está possivelmente associado a uma condição autossômica recessiva que predispõe à gestação molar. A mola completa não possui tecido embrionário ou fetal identificável. A carga genética é totalmente de origem paterna, e a chance de invasão local é de 15% e de disseminação de 4%.

2.Mola Parcial: geralmente resulta da fertilização de um óvulo com núcleo ativo por dois espermatozoides, resultando em uma triploidia (69XXX. 69XXY, 69XYY). A mola parcial é a única DTG que está associada à presença de líquido amniótico e feto com atividade cardíaca. O abortamento espontâneo é a evolução natural de 99% dos casos. Isso implica que as molas parciais muitas vezes recebem o diagnóstico de abortamento.

Neoplasia Trofoblástica Gestacional Maligna

  • São também chamadas de "neoplasias trofoblásticas gestacionais verdadeiras". Inclui o coriocarcinoma, o tumor trofoblástico de sítio placentário (TTSP) e o tumor trofoblástico epitelióide (ETT). A mola invasora poderia ser incluída aqui pelo seu comportamento mais maligno, porém resulta da fertilização aberrante como nas molas não-invasivas, ao contrário das NTGs malignas, que não tem essa origem.
  •  Na verdade, as NTGs malignas parecem surgir de uma célula-tronco de trofoblasto, que se diferencia em um dos três subtipos de NTG maligna.
  • O coriocarcinoma é, sem dúvida, a NTG mais francamente maligna. Incide em 3-4% das molas hidatiformes. Em 50% dos casos, há uma história de gestação molar prévia, em 25% de abortamento, em 2,5% de gravidez ectópica. A DTG que se apresenta após uma gravidez molar é sempre um coriocarcinoma.
  • A clínica varia de acordo com o local de implantação das metástases. Os locais mais acometidos são, em ordem, pulmões, vagina, pelve, cérebro e fígado. Dessa forma, podemos ter desde um abdome agudo com ruptura hepática, até um acometimento grave do SNC.
  • A USG pode revelar lesão expansiva uterina, com áreas de necrose e hemorragia, com ausência de vesículas.
1. Mola Invasora: é uma mula hidatiforme que penetra profundamente no miométrio, com vilosidades hidrópicas alargadas e proliferação do trofoblasto. Lembram o coriocarcinoma histologicamente, com invasão vascular inclusive, porém, podem regredir espontaneamente, ao contrário do coriocarcinoma.

2. Coriocarcinoma: histologia única, macroscopicamente granular e com áreas de necrose e hemorragia. O sintoma mais frequente é o sangramento vaginal irregular, pós-parto tardio, que persiste além do habitual de 6-8 semanas, no entanto, pode aparecer um ano ou mais após uma gravidez. A hemorragia pode ser grave dependendo do padrão de acometimento do miométrio e dos vasos uterinos. As metástases são mais comuns no pulmão (80%), vagina (30%), pelve (20%), fígado (10%), e cérebro (10%).


Diagnóstico

  • Estabelecido com segurança pela ultrassonografia
  • Diagnostica com facilidade a mola completa: ausência de embrião e líquido amniótico + massa com padrão "tempestade de neve", que representa espaços ecóicos intercalados com espaços anecóicos.
  • O diagnóstico de mola parcial e mais difícil. O achado de múltiplos cistos na placenta é sugestivo de mola parcial, bem como a coexistência do tecido molar com feto. Antes de 10 semanas é difícil confirmar esse diagnóstico, mas após, costuma ser feito com tranquilidade, associando-se sempre a dosagem de Beta-HCG (não se associa a títulos muito elevados). Como o abortamento é a evolução esperada em 99% dos casos, muitos casos não são diagnosticados, ou se apresentam ao médico como abortamento, embora isso tenha reduzido com o emprego mais amplo da USG no primeiro trimestre. Portanto, é fundamental o exame anatomopatológico do conteúdo uterino nos abortamentos, bem como a confirmação anatomopatológica caso a mola parcial seja suspeitada por USG.
  • A USG pode ainda avaliar invasão miometrial e resposta à quimioterapia.
  • É fundamental o seguimento com Beta-HCG: se permanecer em platô ou maior que 20.000 após 4 semanas do esvaziamento uterino, a intervenção está indicada, pois indica coriocarcinoma ou mola persistente. Isso vale também para qualquer abortamento e gestação ectópica!
Estadiamento
Adaptado de Rotinas em Obstetrícia (Freitas et al, 2006). Perceba que o estadiamento é dito "anatômico".


Tratamento

Molas hidatiformes: são 100% curáveis, enquanto não houver transformação maligna. O manejo depende do desejo de manter a capacidade reprodutiva.

  • Se optar por manter o útero, deve ser feito aspiração manual intrauterina ou curetagem aspirativa, podendo-se associar ocitocina para diminuir o risco de sangramento. As pacientes devem ser alertadas sobre o risco de nova gestação molar e da possibilidade de transformação maligna. 
  • Se prole completa/não deseja manter capacidade reprodutiva, a escolha recai em histerectomia total com a mola in situ. Os ovários devem ser preservados. Antes da cirurgia, condições clínicas devem ser avaliadas (hipertireoidismo, pré-eclâmpsia, hiperêmese gravídica com distúrbios hidroeletrolíticos), anemia. No caso de hipertireoidismo, as pacientes devem receber beta-bloqueador antes da indução anestésica para prevenir crise tireotóxica. Essas pacientes devem ser monitoradas no pós-operatório, devido ao risco de complicações tromboembólicas (embolia trofoblástica) e complicações cardiovasculares.
  • 80% das pacientes são curadas com essa abordagem. Os restantes 20% desenvolverão sequela maligna (15% invasão local uterina, 5% metástases). Nesse caso, houve transformação maligna. Essas pacientes são identificadas pela existência de metástases, por diagnóstico histológico de coriocarcinoma ou por um Beta-HCG persistente.
DTG Maligna Não-Metastática

É baseado na classificação das pacientes em baixo ou alto risco através de um escore. As pacientes de alto risco, além de histerectomia, parecem se beneficiar de quimioterapia adjuvante, com intenção de prevenir a recidiva. Para pacientes que desejam manter a fertilidade e são de baixo risco, a quimioterapia é oferecida como primeira linha, com intenção curativa e excelente resposta, usando metotrexate e ácido fólico ou actinomicina D. Pacientes resistentes à QT em monoterapia responderão amplamente com esquema combinado, praticamente em 100% dos casos.

DTG Maligna Metastática
  • As biópsias sao desaconselhadas, por risco de sangramento e por serem desnecessárias. O tratamento também se divide em doença de baixo vs alto risco.
  • Baixo risco: alto potencial de cura com QT. Primeira escolha: metotrexate + ácido fólico ou actinomicina D.  Esse tratamento induz remissão em 90% dos casos. Nos raros casos em que não se atinge a remissão ou há recidiva (Beta-HCG persistentemente elevado ou volta a se elevar após atingir nível normal) a doença é reestadiada.
  • Doença de alto risco: esquema EMACO, à base de Etoposide, induz remissão em 76-86% dos casos.
  • Papel da cirurgia: controlar hemorragia, ressecar massa tumoral resistente ao tratamento.
  • Radioterapia: alguns centros tratam metástases cerebrais com RT além da QT, para reduzir o risco de sangramento. 
Seguimento
  • Monitoramento do Beta-HCG. Semanalmente até 3 medidas consecutivas normais, após mensalmente por 1 ano, a cada quatro meses no segundo ano, e após, anualmente. Normalmente o Beta-HCG vai normalizar em 8 semanas após a cura, mas existem casos em que esse tempo pode durar de 14-16 semanas. É importante lembrar que existe o falso positivo do HCG. Níveis altos de LH, como em pacientes perto de 40 anos, podem falsear um HCG alto. Nessas pacientes, o uso de anticoncepção oral irá suprimir o LH e evitará esse problema. Anticorpos heterófilos também podem falsear o HCG ("Phantom HCG"), e nesse caso, a dosagem de HCG urinário virá normal.