segunda-feira, 22 de junho de 2015

Doença Trofoblástica Gestacional

Definição e Conceitos Fundamentais

  •  As doenças trofoblásticas gestacionais (DTGs) são um grupo heterogêneo de lesões neoplásicas que surgem do epitélio trofoblástico da placenta. O prognóstico é bom, mesmo quando a doença está disseminada, com metástases à distância. A maioria das gestações molares estára curada após esvaziamento uterino, porém, 10-20% dos casos podem evoluir para a forma maligna.
  • A probabilidade de cura depende do tipo histológico, da extensão da doença, do nível de HCG, da duração da doença, do sítio das metástases e da natureza do antecedente gravídico (como veremos, a DTG pode surgir após um abortamento, gestação ectópica, gestação pré-termo/a termo).
  • Existem 4 tipos histológicos: mola hidatiforme (inclui a forma completa ou parcial), mola invasora (neoplasia trofoblástica gestacional persistente/invasiva), coriocarcinoma e PSTT (tumor trofoblástico do sítio placentário)
Mola Hidatiforme vs. DTG Maligna
  • Tanto as completas quanto as parciais são tumores localizados, geralmente não-invasivos, que se desenvolvem como resultado de um evento de fertilização aberrante que leva a um processo proliferativo. 
  • Compõem 80% dos casos de DTG. 
  • Os outros tipos histológicos de DTG (mola invasora, coriocarcinoma e PSTT) são os que representam a doença maligna propriamente dita, pelo seu maior potencial de invasão e disseminação, embora as molas hidatiformes possam invadir (15% dos casos) e malignizar (4% dos casos).
  •  Embora se diga que as molas hidatiformes são "benignas", a DTG maligna pode se desenvolver a partir de uma gravidez molar, ou pode surgir depois de qualquer tipo de gestação: aborto espontâneo ou induzido, gravidez ectópica, gestação a termo e gestação pré-termo.
  • A incidência da mola hidatiforme varia amplamente, de 23-129 casos por 100.000 gestações. A DTG maligna é menos comum.
  • Risco tem sido associado a alguns fatores: extremos da idade reprodutiva, gestação molar prévia, tipo sanguíneo, baixo nível socioeconômico, hipovitaminose A e dieta pobre em gordura animal. A idade paterna parece não influenciar o risco. A tecnologia de reprodução assistida, ao ampliar o potencial de fertilidade em mulheres mais velhas, aumenta os casos nessa faixa etária.
Clínica
  • Sangramento vaginal (padrão "sangramento da primeira metade da gravidez"), fazendo diagnóstico diferencial com abortamento e gestação ectópica. Pode conter vesículas hidrópicas.
  • Sinais sutis e de menor especificidade; útero aumentado em relação à idade gestacional, pressão ou dor pélvica, anemia, cistos tecaluteínicos.
  • Sinais "bizarros", tem maior especificidade, relacionados com níveis altos de HCG e mola completa: passagem vaginal de vesículas "hidrópicas", hipertireoidismo, hiperêmese gravídica, pré-eclâmpsia antes de 20 semanas de gestação.
  • Perceba que existe a possibilidade dessa síndrome bastante clássica e "florida" descrita acima.  Devemos ter em mente, entretanto, que ela está associada muito mais à mola completa, sendo apenas raramente observada nas outras DTGs. 
Mola Hidatiforme: Completa vs. Incompleta

Compõem o tipo histológico mais encontrado de DTG (80%). Observe a tabela abaixo.

Fonte: Rotinas em Obstetrícia (Freitas et al, 2006)
1. Mola Completa: resulta da fertilização de um óvulo com núcleo ausente ou inativo com a carga gênica somente do pai, ou da fertilização do mesm óvulo, mais raramente, por dois espermatozóides. Nesse caso, o genótipo pode ser 46XX (duplicação da carga genética de um espermatozóide 23X, fazendo uma diploidia) ou 46XY (dois espermatozóides). Esse último é encontrado em molas recorrentes e persistentes, e está possivelmente associado a uma condição autossômica recessiva que predispõe à gestação molar. A mola completa não possui tecido embrionário ou fetal identificável. A carga genética é totalmente de origem paterna, e a chance de invasão local é de 15% e de disseminação de 4%.

2.Mola Parcial: geralmente resulta da fertilização de um óvulo com núcleo ativo por dois espermatozoides, resultando em uma triploidia (69XXX. 69XXY, 69XYY). A mola parcial é a única DTG que está associada à presença de líquido amniótico e feto com atividade cardíaca. O abortamento espontâneo é a evolução natural de 99% dos casos. Isso implica que as molas parciais muitas vezes recebem o diagnóstico de abortamento.

Neoplasia Trofoblástica Gestacional Maligna

  • São também chamadas de "neoplasias trofoblásticas gestacionais verdadeiras". Inclui o coriocarcinoma, o tumor trofoblástico de sítio placentário (TTSP) e o tumor trofoblástico epitelióide (ETT). A mola invasora poderia ser incluída aqui pelo seu comportamento mais maligno, porém resulta da fertilização aberrante como nas molas não-invasivas, ao contrário das NTGs malignas, que não tem essa origem.
  •  Na verdade, as NTGs malignas parecem surgir de uma célula-tronco de trofoblasto, que se diferencia em um dos três subtipos de NTG maligna.
  • O coriocarcinoma é, sem dúvida, a NTG mais francamente maligna. Incide em 3-4% das molas hidatiformes. Em 50% dos casos, há uma história de gestação molar prévia, em 25% de abortamento, em 2,5% de gravidez ectópica. A DTG que se apresenta após uma gravidez molar é sempre um coriocarcinoma.
  • A clínica varia de acordo com o local de implantação das metástases. Os locais mais acometidos são, em ordem, pulmões, vagina, pelve, cérebro e fígado. Dessa forma, podemos ter desde um abdome agudo com ruptura hepática, até um acometimento grave do SNC.
  • A USG pode revelar lesão expansiva uterina, com áreas de necrose e hemorragia, com ausência de vesículas.
1. Mola Invasora: é uma mula hidatiforme que penetra profundamente no miométrio, com vilosidades hidrópicas alargadas e proliferação do trofoblasto. Lembram o coriocarcinoma histologicamente, com invasão vascular inclusive, porém, podem regredir espontaneamente, ao contrário do coriocarcinoma.

2. Coriocarcinoma: histologia única, macroscopicamente granular e com áreas de necrose e hemorragia. O sintoma mais frequente é o sangramento vaginal irregular, pós-parto tardio, que persiste além do habitual de 6-8 semanas, no entanto, pode aparecer um ano ou mais após uma gravidez. A hemorragia pode ser grave dependendo do padrão de acometimento do miométrio e dos vasos uterinos. As metástases são mais comuns no pulmão (80%), vagina (30%), pelve (20%), fígado (10%), e cérebro (10%).


Diagnóstico

  • Estabelecido com segurança pela ultrassonografia
  • Diagnostica com facilidade a mola completa: ausência de embrião e líquido amniótico + massa com padrão "tempestade de neve", que representa espaços ecóicos intercalados com espaços anecóicos.
  • O diagnóstico de mola parcial e mais difícil. O achado de múltiplos cistos na placenta é sugestivo de mola parcial, bem como a coexistência do tecido molar com feto. Antes de 10 semanas é difícil confirmar esse diagnóstico, mas após, costuma ser feito com tranquilidade, associando-se sempre a dosagem de Beta-HCG (não se associa a títulos muito elevados). Como o abortamento é a evolução esperada em 99% dos casos, muitos casos não são diagnosticados, ou se apresentam ao médico como abortamento, embora isso tenha reduzido com o emprego mais amplo da USG no primeiro trimestre. Portanto, é fundamental o exame anatomopatológico do conteúdo uterino nos abortamentos, bem como a confirmação anatomopatológica caso a mola parcial seja suspeitada por USG.
  • A USG pode ainda avaliar invasão miometrial e resposta à quimioterapia.
  • É fundamental o seguimento com Beta-HCG: se permanecer em platô ou maior que 20.000 após 4 semanas do esvaziamento uterino, a intervenção está indicada, pois indica coriocarcinoma ou mola persistente. Isso vale também para qualquer abortamento e gestação ectópica!
Estadiamento
Adaptado de Rotinas em Obstetrícia (Freitas et al, 2006). Perceba que o estadiamento é dito "anatômico".


Tratamento

Molas hidatiformes: são 100% curáveis, enquanto não houver transformação maligna. O manejo depende do desejo de manter a capacidade reprodutiva.

  • Se optar por manter o útero, deve ser feito aspiração manual intrauterina ou curetagem aspirativa, podendo-se associar ocitocina para diminuir o risco de sangramento. As pacientes devem ser alertadas sobre o risco de nova gestação molar e da possibilidade de transformação maligna. 
  • Se prole completa/não deseja manter capacidade reprodutiva, a escolha recai em histerectomia total com a mola in situ. Os ovários devem ser preservados. Antes da cirurgia, condições clínicas devem ser avaliadas (hipertireoidismo, pré-eclâmpsia, hiperêmese gravídica com distúrbios hidroeletrolíticos), anemia. No caso de hipertireoidismo, as pacientes devem receber beta-bloqueador antes da indução anestésica para prevenir crise tireotóxica. Essas pacientes devem ser monitoradas no pós-operatório, devido ao risco de complicações tromboembólicas (embolia trofoblástica) e complicações cardiovasculares.
  • 80% das pacientes são curadas com essa abordagem. Os restantes 20% desenvolverão sequela maligna (15% invasão local uterina, 5% metástases). Nesse caso, houve transformação maligna. Essas pacientes são identificadas pela existência de metástases, por diagnóstico histológico de coriocarcinoma ou por um Beta-HCG persistente.
DTG Maligna Não-Metastática

É baseado na classificação das pacientes em baixo ou alto risco através de um escore. As pacientes de alto risco, além de histerectomia, parecem se beneficiar de quimioterapia adjuvante, com intenção de prevenir a recidiva. Para pacientes que desejam manter a fertilidade e são de baixo risco, a quimioterapia é oferecida como primeira linha, com intenção curativa e excelente resposta, usando metotrexate e ácido fólico ou actinomicina D. Pacientes resistentes à QT em monoterapia responderão amplamente com esquema combinado, praticamente em 100% dos casos.

DTG Maligna Metastática
  • As biópsias sao desaconselhadas, por risco de sangramento e por serem desnecessárias. O tratamento também se divide em doença de baixo vs alto risco.
  • Baixo risco: alto potencial de cura com QT. Primeira escolha: metotrexate + ácido fólico ou actinomicina D.  Esse tratamento induz remissão em 90% dos casos. Nos raros casos em que não se atinge a remissão ou há recidiva (Beta-HCG persistentemente elevado ou volta a se elevar após atingir nível normal) a doença é reestadiada.
  • Doença de alto risco: esquema EMACO, à base de Etoposide, induz remissão em 76-86% dos casos.
  • Papel da cirurgia: controlar hemorragia, ressecar massa tumoral resistente ao tratamento.
  • Radioterapia: alguns centros tratam metástases cerebrais com RT além da QT, para reduzir o risco de sangramento. 
Seguimento
  • Monitoramento do Beta-HCG. Semanalmente até 3 medidas consecutivas normais, após mensalmente por 1 ano, a cada quatro meses no segundo ano, e após, anualmente. Normalmente o Beta-HCG vai normalizar em 8 semanas após a cura, mas existem casos em que esse tempo pode durar de 14-16 semanas. É importante lembrar que existe o falso positivo do HCG. Níveis altos de LH, como em pacientes perto de 40 anos, podem falsear um HCG alto. Nessas pacientes, o uso de anticoncepção oral irá suprimir o LH e evitará esse problema. Anticorpos heterófilos também podem falsear o HCG ("Phantom HCG"), e nesse caso, a dosagem de HCG urinário virá normal.


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