- Gravidez Ectópica (GE) é toda gravidez com implantação e progressão fora da cavidade endometrial, cujo local é variável, sendo mais comum nas tubas uterinas, mas podendo ocorrer também em ovários, cavidade abdominal e colo uterino. Carrega um grande potencial de morbimortalidade.
Epidemiologia
- A incidência estimada é de 1-2% de todas as gestações, e vem sofrendo incremento nas últimas décadas.
- A esmagadora maioria ocorre nas tubas (97%) e, dentre as GEs tubárias, temos:
- 80% Ampola
- 12% Istmo
- 5% Fímbrias
- Grande parte da informação epidemiológica sobre GE provém de dados do Centers for Disease Control and Prevention (CDC)
- O aumento da incidência está associado ao aumento da incidência de Doença Inflamatória Pélvica (DIP), principal fator de risco da GE.
- A incidência aumenta em países sub-desenvolvidos, e a raça negra apresenta Risco Relativo de 1,6 em relação à raça branca.
- Nos EUA, a gestação ectópica lidera como causa de óbito materno na primeira metade da gestação.
- O diagnóstico precoce é fundamental para diminuir a morbimortalidade, e permite a preservação da trompa afetada pela possibilidade de cirurgias mais conservadoras.
Fatores de Risco
- DIP
- Cirurgia tubária prévia
- Cirurgia abdominal ou pélvica prévia
- GE prévia
- Técnica de fertilização assistida/Infertilidade
- Falha dos métodos contraceptivos (ligadura tubária e DIU). OBS: Como o método contraceptivo previne contra gravidez, a incidência de GE, obviamente, diminui nessas mulheres. Entretanto, frente a uma gravidez em paciente usuária de DIU ou com ligadura prévia (falha do método), a probabilidade pré-teste dessa gestação ser uma GE se torna maior.
- Idade avançada (maior que 35 anos)
- Raça negra
- Tabagismo
- Múltiplos parceiros sexuais
- Endometriose
- Exposição ao dietilestilbestrol
- Leiomiomatose (Miomas)
Etiologia e Patologia
- A principal alteração relacionada à GE é a lesão tubaria. Esta pode resultar de inflamação, infecção, cirurgia ou trauma, sendo a DIP o principal fator de risco. O Odds Ratio para GE após 2 e 3 episódios de dip é de 2,1 e 4,5, respectivamente.
- Mulheres com GE prévia que receberam tratamento conservador tem risco de recorrencia de cerca de 15%. O risco varia de acordo com o tipo de tratamento que foi adotado:
- Metotrexate: 8%
- Salpingectomia: 10%
- Salpingostomia linear: 15%
- Atividade mioelétrica das tubas: a disfunção tubária também se associa a GE. O tabagismo e o envelhecimento atrapalham a motilidade tubária
- Distorção da cavidade uterina: endometriose, leiomiomatose, salpingite nodosa.
- A GE abdominal, embora rara (1/10.000 nascidos vivos) traz um risco relativo de mortalidade materna de 7,7 se comparado a uma gestação tópica.
- Gestação heterotópica: é a ocorrência de gestação tópica e ectópica ao mesmo tempo. A forma espontânea é rara, mas no contexto da fertilização in vitro a incidência é de 1-3%. Devemos suspeitar desse diagnóstico principalmente em casos de abortamento em que o Beta-HCG persiste positivo após resolução do quadro, por mais de 4 semanas.
- Devido ao espaço limitado, a nutrição do tecido trofoblástico é inadequada na maioria das GEs. Como resultado, há menor produção de HCG e progesterona, podendo haver descamação endometrial e sangramento, mimetizando um abortamento.
Clínica
- Classicamente a clínica começa após 6-8 semanas da Data da última menstruaçao (DUM), podendo ser mais tardia em GEs extratubárias.
- Tríade classica: dor em baixo ventre + amenorréia + sangramento uterino anormal.
- A dor pode ser uni ou bilateral, variando muito na intensidade. Pode ocorrer mesmo antes da ruptura tubária em função do processo expansivo na luz da tuba, que leva à distensão e inflamação da mesma. Quando há ruptura, a paciente pode apresentar um alívio transitório da dor, mas em seguida evolui para abdome agudo.
- O exame físico antes da ruptura tubária pode ser inespecífico, não sendo possível fechar o diagnóstico apenas em bases clínicas.
- Antes da ruptura tubária, o abdome pode ser inocente, indolor, ou levemente doloroso, com ou sem dor à descompressão.
- Massa anexial palpável ocorre em 50% dos casos.
- Após a ruptura, a paciente evolui com abdome agudo hemorrágico: hemorragia intra-abdominal, instabilidade hemodinâmica, irritação peritoneal.
Diagnóstico Diferencial
- "Sangramentos da Primeira Metade": abortamento, neoplasia trofoblástica gestacional
- Apendicite aguda
- DIP
- Torção de cisto ovariano
- Cisto hemorrágico
- Patologia do trato urinário
- Adenite mesentérica
- Ovulação
Conduta Inicial
(Adaptado de Rotinas em Ginecologia, Freitas et. al, 2006)
Todo sangramento de primeiro trimestre com dor em baixo ventre deve ter a GE como hipótese diagnóstica, mas ela pode ocorrer mesmo sem dor, quando antes da rotura tubária. |
Manejo Expectante
- A GE pode resolver-se espontaneamente por meio de regressão ou aborto tubário. Entretanto, cerca de 90% das GEs com beta-HCG maior que 2.000 irão precisar de intervenção cirúrgica. Assim, o manejo expectante será indicado somente quando a USG não conseguir detectar a localização do saco gestacional e haja dúvida diagnóstica, com beta-HCG menor que 2000 em queda, associado à progesterona também em declínio, e somente se não houver sintomatologia importante ou instabilidade, e se a paciente for colaborativa e tiver fácil acesso ao hospital.
- Caso a conduta expectante seja adotada, os níveis de Beta-HCG devem ser seriados até sua negativação.
Manejo Cirúrgico
- Há duas técnicas principais.
- Independentemente do tratamento escolhido, toda mulher Rh(-) deve receber imunoglobulina Anti-Rh.
- Salpingostomia linear no bordo antimesentérico, com sucção do material e hemostasia
- Salpingectomia ou salpingoplastia
- A laparotomia está indicada em pacientes com instabilidade hemodinamica, hemoperitôneo volumoso, e quando o cirurgião não domina a técnica videolaparoscópica. Caso contrário dá-se preferência pela cirurgia por vídeo.
- A escolha entre salpingectomia ou salpingostomia é controversa. A morbidade cirúrgica é semelhante.
- A salpingostomia tem como desvantagens o risco de persistência de tecido trofoblástico e o risco de recorrência. É considerada o padrão-ouro para as mulheres que desejam preservar a fertilidade, especialmente se a trompa contralateral não existe ou está danificada; revisão de coortes pela Cochrane (2007) não mostrou diferenças quanto à fertilidade entre salpingostomia e salpingectomia.
- Caso a salpingostomia seja optada, é obrigatório o seguimento com Beta-HCG seriado até a negativação, em função do risco de persistência do tecido (8% de chance). Devemos suspeitar dessa condição quando os níveis de Beta-HCG se mantêm em platô por várias semanas. Saco gestacional pequeno (menor que 2cm) e tratamento precoce (idade gestacional menor que 6 semanas) são fatores de risco. Para essas pacientes de risco, recomenda-se usar metotrexate profilático; o mesmo reduz a taxa de persistência.
- Sugere-se a salpingectomia nas seguintes situações:
- Sangramento de difícil controle no sítio de implantação
- GE recorrente na mesma tuba
- Tuba uterina severamente danificada
- Gestação tubária maior que 5 cm
- Mulheres com prole completa
- Difícil seguimento
- Plano de FIV
- Situações especiais:
- GE abdominal: retira-se o concepto e a retirada da placenta é controversa.
- GEs cervicais são melhores tratadas com metotrexate local ou injeção de substâncias hipertônicas.
Tratamento Medicamentoso
- O uso do metotrexate na GE é um marco na evolução do manejo dessa doença. Casos bem selecionados tem taxa de sucesso de 86-94%.
- Antagonista do ácido fólico, inibe a síntese de DNA e RNA e a replicação celular.
- A via IM é a de escolha, pode ser feito em dose única.
- Principais indicações:
- Profilaxia da GE persistente após tratamento cirúrgico conservador
- Tratamento da GE persistente
- Gestações ectópicas atípicas (cornual, abdominal, ovariana, cervical)
- GE tubária em pacientes estáveis, sem evidência de hemoperitôneo, com saco gestacional menor que 3,5cm de diâmetro, níveis de Beta-HCG menor que 5.000 e sem eco embrionário com atividade cardíaca no interior do saco gestacional à USG.
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